23 de abril de 2016

Portugal na rota do turismo militar

Sabia que a palete, tal como hoje a conhecemos, foi uma invenção de militares portugueses durante a 1.ª Guerra Mundial, fruto de uma necessidade de adaptação ao terreno de combate? Agachados nas trincheiras cheias de lama, num cenário muito diferente do pó a que estavam habituados em Portugal, os soldados juntaram e cruzaram tábuas, evitando ficar molhados. E, já agora, tem conhecimento de que o astrolábio continua a ser o instrumento de navegação não electrónica mais fiável? De origem nacional, já viajou até ao espaço com os americanos da NASA, que o levaram em caso de falha dos instrumentos mais tecnológicos. Surpreendido?

São curiosidades como estas, histórias engraçadas contadas por personagens de cada época e espaços fora do comum, onde poderá desfrutar de experiências menos tradicionais, que farão parte das rotas de turismo militar, em fase de desenvolvimento um pouco por todo o país. Nas cidades, por exemplo, alguns dos quartéis do século XX, desactivados e deixados ao abandono, serão transformados em centros culturais ou hostéis, ou apenas abertos ao público para visitas lúdicas e pedagógicas, nas quais o objectivo será dar a conhecer a História e o nosso passado enquanto povo, ao mesmo tempo que se preserva o património nacional. “O potencial é enorme e o storytelling o segredo para criar interesse num público vasto e diversificado”, acredita Álvaro Covões, presidente da Associação de Turismo Militar.

Esta associação, criada em Setembro do ano passado, tem por objectivo criar as infraestruturas, rotas e conteúdos diferenciados que darão suporte a uma estratégia de desenvolvimento do turismo militar em Portugal. As primeiras rotas, no Alentejo e Centro, já estão prontas e os locais da História preparados para receber os turistas. Durante este ano serão criadas novas rotas (num total de sete), “que queremos complementar com um selo de turismo militar, ao estilo Tripadvisor, para que nas rotas sejam reconhecidos os pontos de referência que são importantes”, explica aquele responsável. “Iremos avaliar, em conjunto com as entidades locais, os melhores hotéis, os melhores restaurantes, os locais que complementam o turismo”, acrescenta.

Para já, está disponível uma aplicação para iPhone e Android através da qual os interessados podem conhecer os percursos disponíveis, os locais a visitar, e obter toda a informação sobre os mesmos.

Mas se pensa que os visitantes destes espaços serão apenas militares ou interessados em História desengane-se. O objectivo da associação é chamar a atenção de um público muito mais heterogéneo, dos 8 aos 80 anos. “O fascínio criado pelo storytelling atrai todo o tipo de pessoas. É o imaginário em funcionamento”, diz Álvaro Covões. “Temos vários castelos abertos e são muito visitados, apesar de pagos. O que significa que há interesse por parte dos visitantes. Se os conteúdos forem bons, melhor ainda.” A associação pretende fazer chegar a sua mensagem quer a visitantes nacionais, quer internacionais. “A maior parte do mundo desconhece que Portugal foi o pai da globalização com os Descobrimentos. Temos um trabalho imenso a fazer”, salienta o presidente. E é por isso que, avança, “os heróis são importantes para contar a história. Quando contamos pequenas histórias, deixamos espantados os estrangeiros, que desta forma nos reconhecem valor”. A entrada dos ingleses no Império do Oriente, lembra, foi feita pelas mãos de Portugal. “Catarina de Bragança casou com um rei inglês, levou como dote Bombaim e foi para a Índia.”

E no decurso da História não faltam exemplos da importância do país. “A História de Portugal confunde-se com a história militar, desde Viriato, as Invasões Romanas, os Descobrimentos, as Invasões Francesas. Temos um potencial enorme para explorar”, garante Álvaro Covões. Um projecto abrangente, que passa ainda pela preservação do património histórico e militar português e pela promoção e a realização de eventos no âmbito do turismo militar. “Os militares, em todos os ramos, estão com muita vontade de mostrar a sua história, o que foram e o que são, porque ao falar da história militar estamos a falar do seu património, mas também a mostrar a sua importância”, explica Álvaro Covões.

Pedro Machado, presidente da Entidade Regional Turismo do Centro e um acérrimo defensor do turismo militar, acrescenta: “À semelhança do que tem acontecido um pouco por todo o mundo, este segmento assume-se, cada vez mais, como um valioso produto turístico, porque permite a ‘requalificação’, a ‘preservação’ e a ‘valorização’ da História e do património.” Além desta questão, mais identitária e cultural, “é um produto turístico que pode estar disponível ao longo de todo o ano – desde que devidamente estruturado –, e que permitirá combater fenómenos como a sazonalidade turística ou o baixo índice de estada média no território nacional (estimada, atualmente, em 2,2 noites)”.

Opinião partilhada por Bernardo Trindade, CEO do grupo hoteleiro Porto Bay e secretário de Estado do Turismo entre 2009 e 2011, que acrescenta: “Pode constituir também uma forma de dar a conhecer territórios menos óbvios do ponto de vista turístico – hoje ainda muito concentrado nos grandes centros –, além da natural geração de riqueza e criação de emprego nestes novos territórios a explorar.” Durante a sua passagem pelo governo, o tema ganhou importância de agenda, tendo sido promovidas “algumas iniciativas exploratórias, que procuravam dar a conhecer as potencialidades deste segmento, nomeadamente com o levantamento das infraestruturas e o seu potencial económico”, salienta o ex-governante.

A organização Turismo do Centro de Portugal tem uma estratégia bem definida no âmbito do turismo militar, tendo apresentado diversas candidaturas ao Programa Operacional Centro 2020. O projecto visa aproveitar as três frentes dos equipamentos militares ou paramilitares associados às guerras históricas, às invasões, aos centros de interpretação – entre outros, o Centro de Interpretação de Aljubarrota -, pretendendo criar um novo produto turístico. “Esta é mais uma forma de se fazer uma complementaridade interessante em relação ao turismo do património cultural e histórico, mas também ao turismo científico, dado ser possível com este projecto criar condições para a realização de conferências e palestras internacionais”, reforça Pedro Machado.

Um dos objectivos é a estruturação e criação de um pacote turístico militar referente aos espaços museológicos associados aos quartéis militares em funcionamento - o caso de Tancos e de Santa Maria -, “estando a Secretaria de Estado da Defesa disponível para o autorizar”, garante o presidente.

O projecto Turismo Militar, da Turismo do Centro, insere-se noutra iniciativa, mais abrangente e ambiciosa - Lugares Património Mundial do Centro -, a candidatar pela Entidade Regional Turismo ao Programa Operacional Centro 2020, e que contempla, como explica Pedro Machado, toda a operação desenhada no âmbito do vector/produto turístico “cultura, História e património”. Tem como base os elementos patrimoniais da Região Centro que integram a lista de Património da Humanidade da UNESCO: o Convento de Cristo, em Tomar, o Mosteiro de Alcobaça, o Mosteiro da Batalha e a Universidade de Coimbra, podendo ser integrado noutros recursos patrimoniais de relevância internacional, tais como os vestígios da romanização (Conímbriga e Centum Cellas), património associado às ordens religiosas e monumentos de carácter militar.

Com um horizonte temporal de 2016--2018, constitui-se como “um projecto de turismo cultural inovador, agregador e atractivo, que utiliza como instrumentos fundamentais a apropriação, a programação cultural, a mediação e a comunicação ao serviço da qualificação da experiência turística e da competitividade da economia regional”, reforça o presidente da Entidade de Turismo. A juntar a tudo isto, Pedro Machado lembra ainda o enorme potencial de um projecto desta natureza na educação e sensibilização dos portugueses relativamente à História do seu país, bem como a capacidade de internacionalização que tem, nomeadamente, junto dos mercados espanhol, francês e inglês.

O presidente do Turismo do Centro mede ainda o potencial nacional neste segmento comparando-o com exemplos internacionais. “Em França, o Musée de L´Armée apresenta uma programação rica e diversa e recebe anualmente dois milhões de visitantes (de um total de sete milhões em todo os país). O mesmo acontece com o Imperial War Museums, no Reino Unido, que, num conjunto de cinco museus, recebe um total de 2,6 milhões de visitantes.” (Expresso)

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