4 de maio de 2015

As extraordinárias histórias do Corpo de Segurança Pessoal, a elite da PSP

Protegem testemunhas e fazem a segurança a alguns dos mais importantes homens do país e até do mundo. 

É um dos elementos mais antigos do Corpo de Segurança Pessoal (CSP) da PSP. Há quase 30 anos, quando lhe deram o primeiro serviço, ficou pasmado a olhar para o embaixador de Israel. 

Pediram-lhe que o guardasse 24h/dia e M., acabado de chegar, tinha feito o trabalho de casa: sabia que era um sexagenário e veterano da Guerra dos Seis Dias. Não estava, por isso, à espera que o homem encomendasse pizzas para a embaixada e bebesse imperiais. No CSP há serviços mais fáceis do que outros e quase tudo depende da pessoa a quem se faz a segurança. M. teve sorte: além de se esforçar por cumprir as regras, o diplomata era um homem 'de trato fácil' e 'descontraído'.

A seguir ao embaixador de Israel, guardou outros diplomatas, além de ministros, presidentes da República e outros titulares de cargos públicos. Fez a segurança de Cavaco Silva nos mandatos em que foi ministro, passou pelos gabinetes de equipas ministeriais de governos do PS e do PSD e acompanhou personalidades em viagens pelo mundo fora, além de ter conhecido as casas de aldeia de vários ministros, em lugares mais ou menos recônditos do país. 'Viaja-se muito, mas não é tão interessante como as pessoas pensam. A dada altura, só queremos sossego'. M. também passou por cerimónias e jantares. Eventos públicos e secretos, em ministérios e casas particulares. Mas sobre isso não fala. 'Até lhe podia contar histórias antigas e sem revelar nomes, mas isso seria desleal para com as pessoas com quem trabalhei', avisa. Os cerca de 200 elementos do CSP da PSP regem-se por um lema: 'Prontidão e lealdade'.

A prontidão significa que devem estar contactáveis e disponíveis 24h/dia. Já a lealdade implica, entre outros compromissos, guardar segredo sobre tudo aquilo que se vê e se ouve. Antes de serem escolhidos para entrar na reservada elite da PSP, os seguranças passam por uma bateria de testes rigorosos. Nos psicológicos, explica o comandante do CSP, procura-se averiguar, entre outras características, até que ponto o polícia consegue decidir sozinho. É que, ao contrário de todas as outras carreiras policiais, os homens do Corpo de Segurança Pessoal têm autonomia para decidir sozinhos no terreno, sem necessidade de confirmação superior. E não devem reportar às chefias o que escutam nos gabinetes dos ministros ou nas reuniões de chefes de Estado estrangeiros. 'Só se informa o comando daquilo que é estritamente essencial e do domínio da segurança', explica o intendente Manuel Gonçalves, que lidera as equipas.

Treinados para serem impermeáveis a qualquer investida exterior e a resistirem a deslumbramentos e à pressão, é difícil arrancar o que quer que seja aos seguranças dos poderosos. M. não baixa a guarda em nenhum momento e o máximo que aceita contar é que nenhum ministro é igual a outro, sendo que o segurança é obrigado a adaptar-se – e muito rapidamente – e todos os estilos de vida e contextos. 'Há governantes que trabalham mais do que outros. E olhe que não é como as pessoas pensam: trabalhei com ministros que faziam maratonas de 12 horas seguidas, ou mais, trancados nos gabinetes a estudar dossiês', garante. Além de acompanharem as entidades no local de trabalho, garantindo a segurança nos ministérios ou em viagens profissionais, os elementos do CSP têm também de estar presentes nos momentos de lazer. M. já foi ao cinema com membros do governo, sentado uma ou duas filas atrás, e sem ter podido escolher o filme. Também já teve de ir às compras, à praia e fazer jogging às seis da manhã com os protegidos. 'É um trabalho que requer alguma paciência e nunca podemos mostrar má cara, por muito que nos custe estar ali e quiséssemos estar noutro lado.'E nem quando a entidade que protegem decide mudar de planos à última hora – o pior que pode acontecer aos seguranças, que fazem trabalho de prevenção e são obrigados a reajustar tudo – se podem queixar.

O mesmo é válido para as situações em que a entidade a quem foi atribuída segurança mete na cabeça que não precisa de segurança nenhuma e decide não cumprir as regras ou tentar desaparecer sem deixar rasto.Mas também há governantes fáceis de proteger e os que até têm a 'gentileza de trocar impressões' com os seguranças. Jorge Sampaio, por exemplo, conquistou a simpatia de todos os polícias que o serviram na Presidência da República – cargo que tem direito a uma equipa de cerca de 20 homens. 'Sabia o nome de todos, cumprimentava-nos, perguntava pela nossa família e até sabia o nome dos nossos filhos', conta M. Outros há que são capazes de passar um ou dois anos com um mesmo segurança sem saber como se chama ou dar grande conversa. Em qualquer um dos casos, há uma regra de ouro válida para todos os homens do CSP: nunca devem tomar a iniciativa de começar uma conversa e só podem falar se o protegido lhes fizer alguma pergunta. E, mesmo assim, só deverão responder se tiverem absoluta certeza da resposta. É por isso que qualidades como a cultura geral e o saber estar e conversar são características valorizadas e treinadas no curso do CSP.

O rigoroso cumprimento das regras da etiqueta e do protocolo do Estado são outras das exigências, a par da destreza física e da capacidade de perceber ambientes num curto espaço de tempo. 'Um segurança prima pela discrição e nunca deve ser o foco da atenção numa reunião ou cerimónia', explica o comandante. Passos em falso não são admissíveis, as expressões faciais devem ser contidas, a roupa é sempre adequada ao evento e os homens sabem desaparecer no momento certo, como a hora das fotografias ou dos apertos de mão. Mais do que agentes invisíveis e guardadores de segredos de Estado, a elite do CSP é feita de homens-camaleões, que se moldam e adaptam a todas as circunstâncias. 'Se a minha entidade decidir, de repente, que quer ir fazer jogging ou passar no ginásio ou na natação, tenho de estar preparado para o acompanhar', conta M. É por isso que os seguranças andam quase sempre com uma mochila escura que, ao estilo Sport Billy, tem tudo lá dentro e várias mudas de roupa, de diferentes estilos, para qualquer eventualidade. Claro que, na maioria das vezes, acabam por vestir o fato e a gravata – no curso aprende-se a fazer o nó –, razão pela qual são conhecidos, dentro da polícia, por 'os engomadinhos'.Mas que não se lhes subestime a força.

No curso, as aulas de luta são ministradas com os agentes vestidos de fato. E o traje é enganador: debaixo dos blazers há sempre uma arma de fogo, além do telemóvel de serviço – permanentemente ligado – e do rádio que garante as comunicações. Os sapatos são fechados, mesmo no Verão, e a sola é feita de materiais que não escorreguem. Caso aconteça algum imprevisto, os seguranças estão habilitados a conduzir muito depressa e sob condições adversas, como aqua-planing. Os homens do CSP são, aliás, os únicos habilitados, dentro da polícia, a conduzir carros blindados. Entidades Estrangeiras Quando recebem a missão de proteger uma nova pessoa, os polícias são apresentados à entidade. O protegido pode entender tratá-los pelo nome, se preferir, mas os seguranças devem sempre dirigir-se a ele com respeito. Para os ministros, por exemplo, o tratamento deverá ser sempre 'senhor ministro'. Com o passar do tempo – e não há um limite máximo para que um segurança possa acompanhar uma mesma entidade, apesar de ser recomendável alguma rotatividade por razões de segurança–, alguns protegidos desenvolvem curiosidade em relação ao homem com quem passam boa parte do dia.

'A dada altura, apercebem-se de que não sabem nada sobre nós e começam a ter curiosidade', conta M. Outros começam a insistir com os seguranças para que se sentem à mesa com eles. O convite deve ser recusado, por questões de segurança, mas há casos em que as entidades são persistentes. 'É um bocado complicado estarmos todos os dias a dizer que não à mesma coisa e alguns insistem mesmo diariamente, talvez por terem a expectativa de que acabaremos por ceder. E há os que começam a levar a mal as recusas', diz M. Mas as regras são para seguir à risca e um segurança não deve ceder à tentação de manter uma relação demasiado próxima com quem protege, sob pena de se distrair e descurar a atenção.Se os protegidos pouco ou nada sabem sobre os seus protectores, os polícias precisam de saber tudo sobre quem protegem – do quadro clínico completo aos hábitos e rotinas. Este exercício é especialmente importante no caso dos homens que garantem a segurança das entidades estrangeiras que se deslocam a Portugal.

São serviços relâmpago – duram no máximo uma semana–, mas mais intensos. O CSP garante a protecção de políticos e outros poderosos no âmbito de visitas e programas oficiais, mas não só. Se uma personalidade identificada como sendo de risco vier passar férias a território nacional, poderá ter direito a protecção.'Dorme-se pouco e é tudo muito rápido. Apanhamos as entidades nos hotéis, acompanhamo-las durante todo o dia, incluindo nos passeios de lazer, e só as deixamos quando regressam ao quarto à hora que entenderem e depois de confirmarmos que o espaço é seguro', conta o chefe J., que trabalha com entidades estrangeiras há sete anos. Os procedimentos variam consoante o grau de ameaça comunicado pelo SIS, mas muitas vezes os segurança dormem no quarto ao lado, contactáveis via telemóvel. E é assim que os homens do CSP acabam, com muita frequência, a frequentar hotéis de luxo. Além de viajarem em classe executiva ou em carros caríssimos. 'No começo é interessante, depois torna-se um hábito e mais tarde cansamo-nos', confessa J.

A entrada nos mais exclusivos restaurantes e em lugares reservados de monumento nacionais também perde a piada. 'Não aguento mais, por exemplo, ir a Sintra. Todas as entidades que acompanho visitam a vila. Estou a pensar seriamente, na próxima visita, pedir um áudio-guia em alemão para me distrair e ouvir qualquer coisa de novo. E se eu lhe disser que o santuário do Bom Jesus, em Braga, tem 1260 degraus, acredita?' A segurança a altas entidades é um trabalho solitário e pode tornar-se num verdadeiro massacre para a vida pessoal. Não há horários, folgas certas e se num dia o segurança está em Lisboa, no dia seguinte poderá estar em Tóquio. 'Por isso, ter acesso a tantas coisas boas e exclusivas não é uma experiência tão interessante assim. Não escolhemos a hora e, muito menos, a companhia'. A protecção de testemunhas A face mais visível do CSP, para o cidadão comum, é a segurança a poderosos. Mas o trabalho da elite da PSP não se esgota no acompanhamento de ministros ou presidentes da República. É o Corpo de Segurança Pessoal quem garante também a protecção de testemunhas em processos considerados sensíveis. E é nesta área que o veterano M. trabalha agora. O acompanhamento a testemunhas arrancou oficialmente, e de forma mais estruturada, há cerca de dez anos com o processo Casa Pia, em que foi necessário proteger as vítimas.

Existem três tipos de protegidos: cidadãos que estiveram numa cena de crime e que irão depor em tribunal para identificar o autor; vítimas de violência doméstica, geralmente mulheres e em casos graves; e testemunhas que fizeram parte de redes criminosas e se preparam para denunciar os outros membros. M. já protegeu todo o tipo de testemunhas. 'Costumo dizer que é um trabalho muito pedagógico. Aqui conseguimos compreender o mais básico da natureza humana. Contactamos muito de perto com pessoas com passados terríveis e isso reflecte-se muito na relação que têm connosco.' A protecção de testemunhas tem de assentar numa relação de confiança e, desse ponto de vista, o mais difícil é acompanhar pessoas que já fizeram parte do mundo do crime e que agora estão a colaborar com as autoridades, geralmente a troco de benesses judiciais. Polícia e cadastrado são assim obrigados a conviver 24h/dia e a aprender a confiar um no outro. 'Eles demoram algum tempo a confiar em nós, porque às vezes foi uma vida inteira a fugir à polícia. E, mesmo quando confiam, nunca o fazem totalmente.

Alguns nunca chegam a perceber que estamos com eles unicamente para os proteger', conta M. São testemunhas 'vividas' e com dificuldade em aceitar e cumprir regras. Quando um magistrado decreta uma medida de protecção policial, a testemunha compromete-se a cumprir as normas que forem consideradas necessárias para a sua segurança. Não pode, por exemplo, encontrar-se com determinado tipo de pessoas ou frequentar locais que a possam pôr em risco. 'No início, como estão mais assustados, até cumprem. Mas com o tempo e como nunca estiveram habituados a cumprir regras, começam a sentir-se claustrofóbicos e deixam de cumprir'. Além de darem mais trabalho – às vezes é preciso andar a ver onde param –, há os que insistem em continuar a cometer pequenos crimes. 'Já tive um caso em que a pessoa que estava a proteger insistia em entrar no metro, todos os dias, sem pagar. Tive de ter várias conversas com ele para lhe tentar explicar que não podia ter esse tipo de comportamento, especialmente sabendo que era seguido por um agente da autoridade. E se fosse apanhado teríamos problemas, ele e eu', conta M.É que a protecção a testemunhas é feita de forma especialmente silenciosa. Os agentes do CSP acompanham os protegidos sem que ninguém à sua volta se aperceba – para evitar que sejam recriminados socialmente e de maneira a que todas as suas rotinas se mantenham inalteráveis.

Por isso, adequam a maneira de vestir à da testemunha e seguem-na à distância para toda a parte, incluindo quando vai trabalhar. Antes de a deixarem em casa, a residência é passada a pente fino para garantir que fica em segurança. O agente fica, depois, contactável por telemóvel e a testemunha sabe que não poderá sair de casa sem avisar. 'Caso o faça, estará por sua conta e risco'. A protecção a testemunhas é o trabalho mais solitário do CSP. É quase sempre feito só por um elemento ou, no máximo, aos pares. E obriga a longas horas de espera e vigilância dentro de carros – enquanto se aguarda que a testemunha saia do trabalho ou de outros compromissos do dia-a-dia. No caso das vítimas de violência doméstica, os polícias transformam-se frequentemente em confidentes e quase psicólogos. 'São pessoas muitíssimo deprimidas, que estão a atravessar situações dramáticas e a tentar mudar de vida e, por isso, muito difíceis de lidar', descreve M. A maioria são mulheres e, devido às experiências traumáticas que carregam em relação aos homens, tendem a olhar os agentes com desconfiança. Mas por muitas vezes se sentirem sós, acabam a desabafar com eles e até pedem favores.' Já cheguei a ir a uma farmácia a meio da noite comprar um medicamento para o filho de uma mulher', conta M. A testemunha que quase todos os polícias preferem – e a que maior 'estima' tem por quem a protege – é a que assistiu a um crime. 'São cidadãos comuns, pessoas de bem, que põem a vida em risco para que uma situação, e normalmente são casos graves, possa ser esclarecido em tribunal.' Neste âmbito, M. já protegeu donas de casa e idosos.

Alguns foram obrigados a mudar de residência por testemunharem contra vizinhos. Os polícias não o mostram, mas deixam-se tocar pelas histórias. 'Neste trabalho aprende-se que a maioria das pessoas não muda', confessa M., que anda meio desiludido com o homem que está a proteger. Os três filhos pequenos, dois rapazes e uma uma rapariga, acham que M. é o melhor amigo do pai, porque os acompanha para todo o lado. 'São três crianças inocentes, com a vida pela frente, e o pai não muda. Nem por eles consegue mudar'. (Jornal I)

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